É doce morrer no mar


Às vezes a gente precisa de alguém que olhe para nós e nos diga o que estamos fazendo de errado. Às vezes precisamos somente ler alguém escrevendo para si, num assunto tão íntimo que de repente nos toma e percebemos como nos atinge também.

Sim, porque no dia-a-dia, na rotina absurda que nos carrega, naqueles dias que não sobra nem tempo para respirar, sequer lembramos onde estamos. O que vivemos. O que há lá fora. Chegar no escritório de manhã e entrar naquela caixa sem janelas, com a luz branca, simulando um dia perfeito após o outro. O olhar que trocamos quando ouvimos aquele barulho ao fundo - isso é chuva? Está chovendo? Impossível saber. Estamos sempre isolados em casa, cada um no seu quarto, no seu computador, no seu carro indo ao trabalho, na sua mesa no escritório, no seu setor. Enquanto isso, há tanta coisa lá fora.

É nesses momentos que fujo para o banheiro, encosto a cabeça na parede, deixo o ar (sem ser refrigerado) me envolver um pouco. Pela janelinha, consigo ver o céu. E as poucas nuvens de Fortaleza, a brisa suave que vem do litoral, que chega até mesmo nos bairros mais distantes. E chega dentro de você. E te diz: sim, há isso tudo lá fora.

Às vezes a agonia é tão grande que precisamos sair, nem que seja para ir na padaria da esquina encomendar uma tapioca ou meia dúzia de pães de queijo. Porque esticar as pernas e sentir o vento me faz sentir viva, e posso até reclamar, mas sou absolutamente apaixonada pelo pequeno fragmento de percurso da parada do ônibus até a minha casa, em que o vento me abraça, me envolve, assanha (ainda mais) os meus cabelos. É rápido e passa logo, e mesmo de noite, consigo me sentir. Estou vivendo. Estou aqui. Estou sendo.

Um dia já inspirei o ar puro das montanhas, e se me concentrar muito, muito mesmo, quase prendendo a respiração, consigo sentí-lo. O ar doce, leve, fresco. O cheiro da natureza, a umidade. Mas isso é fácil. É fácil estar sentada no escritório e dizer: ah, que saudades de viajar. E tendo o universo ao seu redor, você se torna cega.

Sim, porque há meses não vejo o mar. Quer dizer, impossível ficar sem vê-lo, pois o oceano sempre dá um jeito de aparecer nos percursos que faço, pequenas réstias de azul, vislumbres nos táxis do Rio de Janeiro. Mas moro em Fortaleza e não vejo o mar. Há meses. Há meses não sinto a areia nos meus dedos, não sinto a água, não sinto a maresia embaraçando os meus cabelos. Não respiro fundo e sinto o sal, o sol, o sundown, aquele cheiro de peixe e mar. Estar debaixo d'água. Sentir a pele ficando ainda mais dourada, o corpo mais bonito só pelo toque extra de cor. Sequer tenho a marca do biquíni.

Apenas fico aqui, trabalhando, conversando online porque minhas amigas estão espalhadas pelo mundo, rindo também, e me divertindo, claro, e postergando sempre aquela vontade de voltar. É que chega o sábado e tem tanta coisa pra fazer. E chega o domingo, e vai ter tanta coisa pra fazer na semana seguinte, quero descansar. Estou sempre deixando o verão para mais tarde.

E sentindo, sempre, que um dia será minha hora de voltar.

"Talvez eu seja pequena,
Lhe cause tanto problema

Que já não lhe cabe me cuidar,
Talvez eu deva ser forte,
Pedir ao mar
Por mais sorte
E aprender a navegar."




  1. We all come back when it's time...

    Until then, we sail... hoping for the best and

    trying to smile.

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  2. Ai Gabi.. e no meio dessa correria toda de cada dia, como é precioso poder dedicar alguns minutos para simplesmente ser, sentir e estar. Estou aqui cansadíssima depois de um dia lotado no trabalho, com o cabelo escorrendo e as pernas esticadas, e esse post me deixou tão mais leve, que eu segurei o ar e prendi a respiração só para sentí-lo.. só faltou um cheirinho de mar..
    Beijo! <3

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  3. lindo post :)
    mas menina, vai ver esse mar enquanto você pode! hahaha

    de uma paulistana que vai na praia até com chuva

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  4. Nossa, Gabi. Me fez chorar. Que lindo. :')

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  5. que post mais lindo, Couth! Adorei demais a reflexão, me senti super contemplada, hahaha

    beijos

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  6. Que coisa mais linda Couth! Veio do fundico do âmago esse daí :3

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  7. Querida, eu morri logo de início no título, como dito anteriormente por conta de me lembrar Jorge Amado e seu retrato dos pescadores lá em 1936. Mas aí entendi o seu sentido todo à medida que lia o texto e sei exatamente do que se trata... não morar perto do mar, mas da relação que se tem com ele, pra quem o ama, o cheiro, o toque que ele deixa na nossa pele.
    A gente às vezes deixa a gente tão de lado, né?

    beijoquita.

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  8. É engraçado porque neste momento estou sentada no escritório, na hora do almoço porque prefiro isso ao calor absurdo e ao trânsito estressante, lendo seu post e pensando a mesma coisa. Não tem janelas aqui, saio 17h e geralmente vou direto pra casa. Nos sábados faço algo, ou tento, e no domingo acabo ficando deitada.

    Existem dias em que combinamos algo diferente como um picnic, uma corrida, ir em umas cachoeiras (moro em Manaus) e parece que eu finalmente sinto viva. Infelizmente, a vida não é tão boa pra fazermos isso diariamente, mas ela realmente tem que ser mais vivida do que planejar viagens que acontecem esporadicamente e ficar sonhando sentindo a vida passar pelo basculante do banheiro.

    http://www.paleseptember.com

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25 anos. Mora no Rio de Janeiro, é carioca de alma, mas cearense de coração. É designer e está tentando se encontrar nesse mundo. Sou casada com meu melhor amigo, o Marcelo Bernardo, e mãe da Dindi the Boston.

Gosto de ler, de dormir de rede, de inspirações repentinas e de petit gateau. Mas o mundo seria muito melhor sem aliche gente que fura fila. Ah, e de vez em quando eu desenho.

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Esse blog está vestido com as roupas e as armas de Jorge, porque ninguém há de copiar esses textos e ilustrações sem dar o devido crédito.