Todo mundo já vem falando nisso há algum tempo, e embora eu sim, me reconheça feminista, ainda não tinha encontrado alguma coisa para falar sobre. Quer dizer, tem tanta gente incrível falando sobre por aí, tenho tantas amigas maravilhosas discutindo sobre o assunto, que eu ficava pensando o que diabos eu poderia acrescentar, né? Ainda mais porque tinha uma dificuldade visceral num dos pontos principais do feminismo, que é justamente a sororidade. Aí ontem li um texto incrível sobre outras coisas e inclusive sobre isso, que deu um tapa gigante na minha cara, e eu queria tanto ter lido isso quando ainda era nova e estava me encontrando nesse mundo.
É difícil escrever sobre isso, sem soar um grande mimimi. Mas meu blog, que tanto muda de ~ linha editorial ~, ultimamente vem sendo um relato mais aberto da minha realidade e do que eu penso, então, vamos lá. A sororidade, e eu.
Eu estudava num colégio de classe média alta no bairro nobre de Fortaleza. A maioria das meninas da minha sala era branca, rica, com cabelo liso (ou alisado) e mechas loiras. Elas ficavam com meninos desde sempre, usavam calças justas e nike shox. Eu não. Eventualmente, muito tarde do ponto de vista delas, eu comecei a ficar com meninos. Mas, durante os anos cruciais, não. Tinha um grupo de meninas que saiam, bebiam, tinham piercings e eram descoladas. Também tinha o grupo de meninas que eram perfeitinhas, que esnobavam todo mundo, e que davam em cima dos meninos para no momento final dizer não, e deixavam eles loucos. Obviamente nenhum era louco por mim, e jamais foi. Mas, quando eu era nova, eu via essas meninas como o inimigo, tão diferentes de mim quanto um peixe e um javali. Eu nunca me enturmei com essas meninas, e nunca fiz questão, e aliás vivia enrolada em brigas. Eu era um alvo fácil? Sim, mas tenho certeza que se perguntar pra uma delas hoje, elas diriam que eu também atacava. E às vezes atacava mesmo.
A minha sorte é que eu tinha amigas, que eram exatamente como eu: atrasadas, bobas, e sim, feias. Ouvi um grupo de meninos falando que comigo o esquema era camarão, corta a cabeça (feia) fora, e come só o corpo. Agora, a fulana não. A fulana é linda, ela a gente come inteiro, e namora depois. Eu queria ser a fulana, claro. E como era impossível ser a fulana, eu odiava ela com todas as forças.
Com o tempo, eu comecei a perceber que não ser igual à elas era bom. Que ouvir músicas boas, que ler livros incríveis, que ter amigas que você ama e confia ao seu redor, era ótimo. Que haviam meninos também diferentes por aí que iriam me ver, e em determinado ponto eles me viram. Não, não eram os gatinhos do vôlei, mas eram caras legais. Até isso acontecer, entretanto, eu me vi numa briga no meio da sala, com uma menina que eu odiava (ela era da turma das festas), em que ela gritou pra mim: você é uma retardada, vai beijar na boca. Você ficar lendo revista de bruxinha só prova como você é mongol. Vai viver, menina.
Fiquei anos com isso na minha cabeça, e foi uma vitória pessoal quando vi fotos dessa mesma menina grávida, ainda no ensino médio, numa rave, fumando. Idiota, você tá vendo só? Eu sou diferente, eu estava lendo quando você estava beijando na boca, eu estou na faculdade enquanto você está procurando emprego, eu sou estilista da loja que você vai ser vendedora (horrível, porém, sim). Só que não era assim. Não era.
Naquele colégio de classe alta, várias meninas tiveram suas fotos íntimas espalhadas via msn. A maioria todo mundo olhava com culpa, porque eram meninas boas e perfeitas. Algumas, todo mundo olhava e dizia: "também, do jeito que dá pra todos os caras desde a sétima série". Eu me sentia mal por ver as fotos das meninas por aí, mas me unia ao coro na hora de dizer que ela devia ter mais cuidado antes de sair transando por aí, quando eu nem tinha ideia de nada disso, porque estava muito ocupada acompanhando a revista das Witch (melhor revista). Então como é que, aos vinte anos, eu ia conseguir me solidarizar com essas meninas que fizeram questão de que eu me sentisse uma bosta a minha adolescência inteira por ser diferente? Eram putas sim, escolha delas, eu não tenho nada a ver com isso. Mas aí as feministas pegaram na minha mão e disseram: não, nós estamos todas juntas nessa, nós temos que aceitar umas as outras, nós temos que nos amar e nos apoiar.
Eu sempre tive amigas. Mesmo na época de transição das amigas do colégio para as amigas da faculdade, em que eu fiquei sozinha, eu ainda tinha algumas meninas em quem eu confiava, e podia me abrir, e falar tudo que eu quisesse sem ser julgada. Mas tem meninas que não tem. Basta você ver aquele vídeo escroto da bebezinha imitando os animais e chegando na cobra e dizendo: oi, amiga.
Eu me achava diferente. E, por ser diferente, só pessoas que contemplassem os meus interesses poderiam me compreender: pessoas mais velhas, caras interessantes, meninas legais. Eu tive a sorte de ter amigas sempre comigo, porque é geralmente nessas horas que essas "meninas legais" encontram caras mais velhos, que fazem questão de ressaltar como elas são diferentes, como não são iguais as meninas da idade dela. Com um único objetivo: te comer. Amiga, esse cara só quer te comer, sinto muito. Eu, enquanto nova e sem experiência nenhuma, me apaixonava pelo primeiro menino que me desse atenção, que conversasse comigo regularmente, que me mandasse mensagem. Esse menino, provavelmente, só queria me comer, ou então só estava fazendo o mínimo, que era ser legal e educado. Ele certamente não estava apaixonado por mim pelo simples fato de eu responder todas as mensagens dele.
Meu noivo é professor, vocês já sabem. Mas ele é um professor muito, muito legal, e muitos alunos amam ele. E mandam mensagens pra ele frequentemente, às vezes de madrugada, cheios de problemas de adolescentes. Algumas meninas falam de problemas de amor, enquanto ele, homem, mais velho, nunca foi uma adolescente, não tem o menor embasamento para ajudar, mas tenta. E eu fico: essas meninas não tem amigas? Por que você iria pedir conselho amoroso para um professor, pelo amor de Deus? "Ah, é porque as amigas não iriam entender."
Como não?
Porque elas estão naquela fase em que são diferentes, em que todas as amigas são cobras, e todas que não são as amigas são prostitutas, ou retardadas. Como você pode esperar que um professor, mais velho, possa te entender melhor que as meninas que convivem com você? MB olha para mim e fala: você não entende. Como eu posso não entender, se eu também fui adolescente, cercada de amigas adolescentes, e cheia de amigas hoje que também foram adolescentes?
Entrar na faculdade é vital para o crescimento, porque você se vê diante de pessoas que você normalmente não iria interagir no colégio, de outros bairros da cidade, com outros interesses. E é aí que você percebe como todo mundo é igual. A menina que transava desde os 13 anos? Também fica meio apaixonada sem nenhum motivo aparente. A menina perfeitinha que na hora H sempre dizia não? Provavelmente morria de medo do que iam falar dela, ela não estava só tentando destruir a sua vida. A menina retardada que lia revista ao invés de beijar na boca? Queria muito estar beijando na boca, mas não tinha oportunidade, vida que segue. Somos todas, de uma forma ou de outra, iguais. Somos mulheres. Podemos nos entender, se tivermos vontade. Podemos nos apoiar.
Enquanto novas, buscamos pessoas em quem nos espelhar, pessoas mais velhas incríveis. Infelizmente, quase nunca temos mulheres incríveis ao nosso redor. Os adolescentes se espelham no professor legal, e as meninas tem como objetivo ficar com o professor legal, ou pelo menos um cara tão legal quanto ele. (spoiler: os professores legais já foram meninos retardados.) Eu, enquanto adolescente, tive a sorte de ter a minha mãe como exemplo. Minha mãe ama trabalhar, é super batalhadora, e nunca deixou de viajar, de ir para festas, e de toda sexta ir no barzinho (sozinha) com os amigos. Eu conheci uma amiga dela que morava em Paris, era bronzeada, independente, e desde esse dia eu também quis morar fora. Eu entendo que, sendo branca, magra (enquanto adolescente), da classe média, e cheia de todas as oportunidades, eu não posso me comparar à meninas que não tiveram. Mas posso estender a mão para tentar compreendê-las, e o melhor, posso pedir para que abram o olho para as meninas que estão ao redor. Vocês não estão sozinhas, vocês não são diferentes, vocês são iguais, e isso não é ruim. Se um cara te olha e te diz que você é diferente das outras, nem ele acredita nisso. Se ele for mais velho, fuja, é cilada. Se você tiver 25 anos e quiser um cara de 45, tudo bem, porque você já vai entender muito mais coisas da vida, e pode ser que dê certo. Se você tiver 15 e quiser um de 35, amiga, acredita em mim, você vai se magoar muito, tenha cuidado.
Queria muito ter tido exemplos de professoras incríveis enquanto estava crescendo, como uma amiga, a Cristina. Que é mulher num ambiente masculino, é negra, é inteligentíssima, é independente, e inspira alunas a serem o mesmo. Queria ter olhado para as meninas que riam da minha cara com um pouco mais de compaixão, e queria muito que elas também tivessem feito o mesmo comigo, mesmo eu mandando mensagens cheias de ódio (desculpa, eu de fato não tinha nada melhor pra fazer). Acho que nunca serei professora e serei capaz de mudar vidas, mas se meia dúzia de meninas nessa idade ler isso, e olhar para a sua sala com olhos com um pouco mais de reconhecimento, já fico feliz. Confiem umas nas outras. This too shall pass.
PS: É estranho fazer um post pessoal e cheio de opinião desses num blog meio "superficial", mas enfim, essa é a minha opinião, essa foi a minha adolescência (privilegiada, sim). Desculpa qualquer coisa.
PS2: Às pessoas que estudavam comigo no colégio, que me odiavam e que eu tão fervorosamente odiava de volta, peço desculpas! Espero de verdade que vocês estejam bem na vida de vocês, que quem já teve filho, que eles sejam incríveis (sem ironia, hein), e que quando a gente se encontrar na rua num futuro próximo a gente possa sorrir e perguntar como vai, sem ser o fim do mundo.
PS3: Nesse post da minha amiga maravilhosa, tem um guia de links legais para você entender melhor sobre o feminismo, e disseminar a palavra.