Ah, o amor, o amor...

"Vem,
Morena vem ouvir essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada trago na viola
Pra ver você mais feliz"


Pai: Lembra quando nós dançamos essa música numa varandinha? Tava chovendo tanto. Amor de jovem é muito bonito, né?
Eu: Eita, isso aí foi do tempo do Neneco-Astral*
Pai: A gente volta da praia melado, e dança numa varanda do tamanho dessa mesa. Tava até de biquíni preto..
Mãe: Biquíni preto? EU?
Pai: Não, eu.
(pausa)
Pai: O tempo é uma merda. Hoje em dia, esse tal de Zé Renato é um papudinho gordo, assim, goooordo, parece uma morsa.
Mãe: Não lembra, nem de longe, alguém que eu conheço.

Um pouco mais tarde, na hora de ir embora:
Mãe: Quer que eu dirija, amor?
Pai: NÃO!
Mãe: Quer um beijinho, meu amor?
Pai: Vá para o inferno.




Aahh, o amor, o amor, o amor. Uma coisa tão duradoura, tão linda de se ver!

*Neneco-Astral é o apelido que meu pai se auto-nominava quando tinha seus 25 anos, por aí, uns 50 quilos a menos e cabelo.

Sobre as Aparências

- O quê? Ela tá namorando com ele? Mas ele é super esquisito!
- Ele nem fala!
- Ela só pode estar louca. É até bonitinha, né? Consegue coisa muito melhor. Muuuito melhor.
- Ele é feio demais, olha o tanto de espinha! E aquele cabelo na cara? Ele é muito estranho, só senta no fundão.
- Ela também, né.
- Ah, mas ela nunca foi normal. Mas credo, chegar a esse nível... Deus me livre conversar com aquele menino. Ele é muito feio, deve ser um idiota.

Dispensando os comentários alheios, o casal ficou junto. Um ano e cinco meses depois, se encontram juntos, felizes. Ele faz cursinho longe daquele lugar, agora já não tem mais espinhas, o cabelo tão desarrumado, mas o ar esquisitão persiste. Ela faz faculdade e não se cansa de dizer como está feliz. Às vezes os dois encontram com aqueles mesmos conhecidos, que ainda os estranham, e nunca se quer tiveram coragem de conversar e ver como aquele garoto era irônicamente inteligente. E nem como olhos verdes e declarações poderiam se esconder detrás de uma pessoa tão... tão... "idiota". E as meninas? Continuam na mesma vida de sempre.

Sempre Garfield


Campanha contra o abandono



Existem mil campanhas que eu poderia fazer partido sobre (desde "Não à pochete", passando por "Bota branca só a Xuxa pode", ou algo meio sério como "Não aos Casacos de Pele", "CPI das sanguessugas é o meu ovo esquerdo, e olha que nem ovo eu tenho"), mas agora, na meia-noite do domingo, a que me parece melhor é essa: Não abandone.


Não diga coisas que você sabe que não são verdadeiras e então deixe aquilo para lá, não esqueça e durma ao invés de ir batalhar, não adie o que você poderia estar fazendo agora se tivesse coragem, não desista antes de tentar. Não abandone nada por medo do que virá a seguir; não jogue a toalha até saber que o fim está realmente ali. Porque ir embora é fácil, assim como desistir: difícil é lembrar que, para cada abandono, sempre há alguém que permanece. E é nesse permanecer que está cada gota de sonhos que não foram, de esperanças que morreram, de tentativas que falharam.


É como diz Luís Fernando Veríssimo: "embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu".

Toda história tem um começo.

Ela acordou ofegante, assim como nas seis noites anteriores, sentindo a mesma dor sufocada no peito. Passou uma das mãos geladas na bochecha, enxugando apenas uma pequena porção das inúmeras lágrimas que preenchiam o seu rosto. Estava sentada na cama mais uma vez, embora não recordasse exatamente como os pés haviam parado no chão, devidamente enfiados em suas chinelas de dedo.

Sabrina Barcelos, após alguns segundos de constante questionamento de como havia parado ali, tornou a se deitar, puxando o lençol até a altura dos olhos muito claros. Sentia-se assustada, mesmo que inexplicavelmente, e em vão tentou distinguir as sombras que se formavam no quarto escuro - era míope, e nem mesmo com muito esforço conseguiria enxergar direito até mesmo no claro, embora começasse a supor que a manhã já se aproximava e, com ela, o primeiro dia de aula do segundo ano no ensino médio.

Cerrou os olhos, forçando-se a adormecer novamente. Primeiro a escuridão, depois o mar, e então todo aquele sonho se reconstruía em sua mente.

- Joana - disse em voz alta, acordando logo em seguida com um susto.

Mamãe, completou, mentalmente. Já havia pesquisado inúmeras vezes alguma possibilidade daquele sonho se aproximar da realidade, já que ela não passava de uma recém-nascida quando tudo aquilo supostamente acontecera, logo não havia nenhuma explicação coerente para Sabrina cultivar aquela memória. Além do mais, a garota era mais uma espectadora do que o bebê em si, e era tudo tão nítido, tão real, como se estivesse acontecido na semana anterior, e não...

A mão foi levada a cabeça imediatamente em seguida à pontada de dor. Um sinal, talvez, que fosse melhor deixar todas aquelas dúvidas de lado - o manhã estava chegando, e depois da aula ainda teria aula de dança, e talvez um jantar com a família, quem sabe. Decidiu, então, beber água e, quem sabe, assistir um pouco de televisão. Colocando os óculos de aro grosso, a garota saiu do quarto, arrastando-se pelo corredor até a cozinha. Observou por algum tempo, já com o copo cheio nas mãos, o telejornal e a mãe deitada no sofá, adormecida com a televisão ligada, e o controle remoto devidamente apoiado debaixo da cabeça.

Embora fosse adotada, Sabrina sempre tivera a imagem daquela mulher como mãe. Desde cedo, os pais fizeram questão de contar-lhe a verdade, tratando-a como se a tivesse concebido e narrando a estória que a mãe da garota, uma linda princesa de um reino distante, havia sido levada por anjos para um lugar melhor, deixando a garota sob cuidados daquele casal, e que, um dia, se encontrariam de novo. Mesmo com cinco anos, a garota parcialmente acreditara naquilo, e a chegada da adolescência ajudou para que as dúvidas sobre a sua origem voltassem, embora Sabrina sempre tocasse o assunto com delicadeza para não magoar, de forma alguma, os pais.

- Bina linda - disse a mãe, ao despertar - Bom dia.

A mulher sentou-se no sofá, amassando os cabelos curtos para detrás da orelha.

- Bom dia, dona Carolina - respondeu a garota com capricho, largando o corpo para o lado vazio do sofá após uma enorme mesura - Dormiu bem?

- Incrivemente bem, eu diria. Tive um sonho maluco, como sempre. Tinha o Jorge, que Deus o tenha, umas frutas, aquele seu vestido preto de coquetel, sabe?

Assim como a sua mãe verdadeira, Jorge - o pai "postiço" - também se envolvera com anjos quando a garota acabara de completar sete anos. Um acidente de carro, causado por um motorista bêbado, em que a garota por sorte sobrevivera - desde então moravam apenas as duas naquele apartamento, embora fossem visitadas quase que diariamente tanto por alguns familiares, quanto por eventuais namorados da mulher, mas sempre por amigos.

- ... E no fim apareceu um golfinho, pulando dentro daqueles círculos de fogo, sabe? Aí o Jorge me puxava pra perto dele, me dizia alguma coisa, e você me acordou - finalizou a mulher, tomando fôlego - E você? Sonhou com a alguma coisa?

- Não, nada - mentiu.

- Hm - a mãe passou os dedos pelos cabelos negros e lisos da garota, tirando a franja da testa - Apareceu uma espinha.

- Droga! Parece que elas pressentem datas importantes!

- Está esperando algum gatinho na sua sala, ham? - a mulher apoiou os cotovelos nas costas do sofá, observando a filha girar os olhos - Você é linda, minha filha, se usasse um pouco mais de maquiagem e acreditasse no seu potencial... Tem esses olhos cinzentos, e ainda é talentosíssima... Amarra qualquer um, é só querer.

- Mãe, faz mais de dezesseis anos que você não tem dezesseis anos, você não sabe mais das coisas, ok - enfezou-se a menina.

- Pois, para mim, baixa auto-estima é algo atemporal.

- Pois podia ser ingerível, também. Aí a gente compraria umas pílulas de beleza e seria feliz... - riu.

"Eu, definitivamente, não sou bonita", pensou mais uma vez, ao encontrar com o reflexo nu no espelho do banheiro. O nariz afilado e arrebitado, sempre dificultando a estadia dos óculos no lugar correto, a boca grande e carnuda demais, algumas espinhas distribuidas pela testa, os olhos brancos e assustadores, emoldurados por aqueles cílios tão longos que a lembravam plantas carnívoras no momento do bote.

- É, não tem jeito mesmo - reclamou mais uma vez, antes de observar as costas magras e torneadas sumirem por detrás da cortina do box, onde cantou, por cada segundo do banho, todas as músicas da rádio.

Durante o café, que tomou com sua mãe, o interfone tocou - era Katherine, sua melhor amiga, pedindo para que ela fosse até a sua casa, dois andares abaixo, para irem juntos para o colégio. E foi o que fez, preocupando-se agora apenas com coisas reais, como por exemplo, a idéia agradável de que algum "gatinho" realmente poderia entrar na sua sala. O colégio não era longe e Sabrina estudara lá desde pequena, então se podia dizer que ela era acostumada a ele, mas não que o amasse, tampouco o contrário. O mesmo se aplicava à cidade, Fortaleza, capital do Ceará, onde sempre morou.

25 anos. Mora no Rio de Janeiro, é carioca de alma, mas cearense de coração. É designer e está tentando se encontrar nesse mundo. Sou casada com meu melhor amigo, o Marcelo Bernardo, e mãe da Dindi the Boston.

Gosto de ler, de dormir de rede, de inspirações repentinas e de petit gateau. Mas o mundo seria muito melhor sem aliche gente que fura fila. Ah, e de vez em quando eu desenho.

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Esse blog está vestido com as roupas e as armas de Jorge, porque ninguém há de copiar esses textos e ilustrações sem dar o devido crédito.