O.k.




Depois de um arroz piamontês que não fez o prometido, me vi em casa numa quinta-feira útil depois de uns 10 meses trabalhando. Mas quem estava inútil era eu, e não pude fazer nada além de me deitar na cama, ficar com cólica, e sentir uma culpa meio ilógica de não estar trabalhando. Sim, virei adulta e nem notei.

Mas a grande sorte é que eu não estava sozinha: depois de finalizar Além do Planeta Silencioso, o próximo da pilha era o tão bem falado A Culpa é das Estrelas

Embora todo mundo tenha se derretido em elogios e eu até já soubesse de cor algumas frases de impacto, eu ainda não me compactuava com a proposta do livro. Câncer. Romance. Adolescentes. Ingredientes do tipo de livro que eu não lia desde os meus 15 anos, quando abandonei os romances água-com-açúcar em prol de livros mais substanciosos. Falo isso sendo irônica, lógico, porque na verdade, eu só leio livros de ficção, quanto mais fantasiosa melhor. Como diria o Marcelo: um livro que não tem sequer uma menção a um centauro nem vale a pena ser lido.

Eu amo mundos fantásticos, amo realidades paralelas, animais estranhos, poderes mágicos, deuses na terra, seres invisíveis, tramas que não consigo compreender, e todo esse tipo de coisa. Não é que eu não goste do romance (que, aliás, é uma das coisas que eu mais gosto nos livros de ficção) mas sempre alguma coisa de verdade aconteça que não somente a dúvida de que horas eles vão deixar de baboseira e conseguir ficarem juntos.

Depois de voar por Um Dia (que achei o Dexter um idiota muito grande e que mesmo assim me doeu vendo desperdiçar a sua vida em prol de simplesmente ser legal, mas não cheguei a me emocionar, e nem a me envolver, e nem torcer pra que eles ficassem juntos, e nem chorar quando o fim chegou, só ficar com um leve aperto, leve mesmo), a perspectiva de ler outro livro sem ser fantástico já me deu um pouco de preguiça. Já tinha separado na ordem dos livros To Read logo uns dois de fantasia, tipo uma detox de romances. Mas aí comecei a ler ACdE.

Não sei o que foi que aconteceu, mas logo na primeira página, eu grudei no livro de um jeito que não lembrava que era possível. Sim, foi a Hazel, foi o seu mau humor e, ao mesmo tempo, a sua índole de simplesmente boa filha (porque não entendo direito adolescentes rebeldes), mas foi mais do que isso. Foi tão mais que não consigo explicar.

Essa é uma resenha (se é que se pode chamar disso) que o crítico (HAHAH) nem consegue descrever o livro, de tão... especial. Tinha romance, sim, mas tinha muito mais. E não era simplesmente "a batalha contra o câncer", nem somente infinitos maiores que outros, e nem o final que começou a querer me pegar de surpresa, depois passou a óbvio (eu nunca consigo ver o óbvio nos livros), para depois passar a ser o A Culpa é das Estrelas. Indescritível. O sentimento de terminar o livro logo, e ao mesmo tempo não terminá-lo nunca. Faltando umas oitenta páginas, desliguei a luz e me enrolei, apenas para ficar com os olhos arregalados no escuro, incapaz de me desfazer. Liguei a luz de novo e só parei quando tinha terminado. Em um dia tinha começado e terminado um livro, coisa que não acontecia desde que eu lia Harry Potter (um dia livre que foi generosamente cedido a mim pelo arroz com creme de leite estragado).

E fiquei no escuro, ainda os olhos arregalados, pensando. Tentando absorver o que tinha lido, mas ao mesmo tempo incapaz, e sem conseguir deixar de pensar nas duas mortes que tinha vivenciado esse ano. E eu falo sério agora. A primeira, do meu melhor amigo, que me acompanhou desde os meus cinco anos, mas que eu sabia que ia morrer. Eu quase desejei que ele morresse, mas não desisti nem um segundo sequer de cuidar dele, e para quem me acha insensível de comparar uma criança morrendo a um cachorro, não me conhece (eu, que olho pra uma pessoa e a elogio comparando a um cachorro, e escuto um "vindo de você, eu fico muito feliz, mas só porque eu sei como você ama cachorros"). Seus dias estavam contados, eu sabia disso, e já tinha transposto a barreira do sofrimento, ficando feliz por ele conseguir enfim descansar, e ao mesmo tempo me deixar descansar também. Mas isso não significa que eu não tenha ficado desolada com a sua partida, e chorando por vários dias quando ele se foi. Eu perdi meu melhor amigo.

E depois, a Fita. Que com apenas 10 dias na nossa casa e apenas 3 meses de vida, sofreu pela irresponsabilidade da dona do canil, e faleceu de uma doença que acabamos comprando com ela. Sofri ainda mais, teria chorado a noite inteira não fosse os remédios santos para dormir, e chorei os próximos dias também. Em apenas 10 dias ela tinha me amado, me mordido, se aconchegado em mim, feito melhores amigos com bichinhos de pelúcia esquecidos, me mostrado a vontade de viver que um filhote tem. Ela queria tanto viver, e eu queria tanto viver com ela, mas, não deu. E esses dez dias foram suficientes para deixar, "literalmente", uma ferida aberta no meu peito. Alguns infinitos são maiores que outros.

E agora tudo mudou, e uma tarde normal no trabalho fica numa sombra de pensar que, no dia anterior, eu estava lendo um livro que poderia me tocar profundamente. Quero que todos leiam, quero emprestar pra todo mundo, mas ao mesmo tempo já guardei no cantinho especial da minha estante, marcado com os Melhores Post-its Do Mundo. Mal consegui pegar no sono ontem, de tão arrasada, e ao mesmo tempo preenchida de um amor meio louco pelo livro, que eu estava. E a traição que segue ao terminar um livro bom chegou, e eu já estou lendo outro, mas meio com distância (em sinal de respeito, talvez), meio olhando pra lombada azul quietinha me olhando. O.k.




Sobre o Ter

Segunda-feira de manhã no trabalho, todo mundo no ritmo devagar quase parando, começando a esquentar os motores. É o tipo de dia que eu não tenho muito critério na hora de escolher uma roupa (essa calça, essa blusa, esse cinto, vai esse sapato... E que colar mesmo? Ok, esse tá bom, vamos), mas eu tenho uma amiga que sintetiza exatamente esse exemplo da Irena. A Ana Flávia, vulgo Barbie, faça chuva ou faça sol, está sempre linda. De delineador, sombra, acessórios, tudo coordenadinho. E lindo.

Então, numa segunda-feira devagar, eis que Ana Flávia surge com o seguinte sapato:


Tapa na cara da sociedade da preguiça. Todas as tendências juntas, transparência, spikes, metalizado, captoe, tudo que a gente sempre desejou na última semana, sintetizados numa sapatilha só. Que fez com que todo o setor desses suspiros de admiração, perguntasse toda a ficha técnica, quanto tinha sido, se ainda tinha. A Flávia queria uma sapatilha assim, dourada, pra vir trabalhar, que combinasse com tudo. E é claro que transparente combina com tudo, ou seja, a escolha perfeita.

O único detalhe é que, se isso tudo não tivesse na moda, seria só um sapato feio.

Uma marmota ridícula, onde já se viu, sapatilha de pvc, imagina o chulé, e esse saltinho quadrado meio idiota, e essa ponteira de plástico pintada de dourado, na primeira topada vai lascar a tinta, etc, etc. Quem usa sapato transparente é funkeira, quer coisa mais brega que salto de acrílico? Pois é, mas só que, nos últimos tempos, o mundo inteiro fez com que a gente desejasse tudo isso junto e misturado, e que acabasse achando a sapatilha da Flávia linda.

Pior que nem foi o Louboutin, que inventou que sapato de vinil transparente fosse lindo. Ele disse que era lindo sim, as celebridades também acharam lindo por algum motivo (é sexy), começaram a usar, até que alguma blogueira de moda conseguiu comprar seu primeiro par com dinheiro de jabá e pronto. Estava feita a perdição. Agora um sapato transparente meio ridículo é um item essencial, must have do verão (ou inverno?), olhe aqui onde conseguir o seu Louboutin inspired. Aliás, bom mesmo é blogueira que vem com o seguinte argumento: fim de viagem, nada melhor que um look bem básico, estou usando essa calça jeans de lavagem preta que, vocês não estão vendo a etiqueta e de forma alguma conseguiriam saber, mas SIM, é de grife, e olha só, quer coisa mais básica e confortável que um sapato transparente de salto alto e fino?

Não entendo os conceitos de básico ou de conforto, mas quando eu estou no fim da viagem, não consigo sequer imaginar usar um salto, quanto mais um de plástico transparente que vai ficar todo suado e criando lama em 3 segundos. Sim, sou puro glamour, só tem gente que finge não ser.

Mas aí que trabalhamos com moda, e acabamos acreditando nessa baboseira, e desejando tudo. Desejamos tudo ao nosso redor, tudo nos instiga, passar o dia vendo imagens bonitas ajuda esse interesse infinito em ter tudo. Porque não é exatamente o comprar, nem o usar, é o prazer de ter. Porque compramos, compramos e compramos, só para ter uma centena de maxi colares acumulados, meio sem propósito, porque no fim das contas, só temos mesmo um pescoço, e daqui que a gente consiga usar tudo que tem, lá vem os nano colares apontando como as tendências de novo. E as celebridades usando, e as blogueiras ganhando de presente, e a gente passando a acreditar que sim, precisa de um micro colar agora. Porque maxi é so yesterday (nem last season ele consegue ser).

Eu mesma sou uma que vibro quando vejo uma blogueira usando uma peça que eu já tenho, porque sei que é menos uma coisa que eu vou ter vontade de ter, porque ei, eu já tenho. Veja bem, eu não estou usando, eu nem lembro quando foi a última vez que usei, mas eu tenho. Está lá.

A gaveta entulhada de maquiagens, o armário cheio de sapatos de captoe (aliás, quem foi que inventou esse termo?), para o quê? Para o dia em que eu resolvo pisar fora de casa, ou para ficar usando no trabalho? Para que mesmo que eu preciso gastar 300 reais numa sapatilha, para usar quando for trabalhar no Montese? É, exatamente pra isso. Taí o meu sneaker (amor verdadeiro, amor eterno - até que a temporada mude) que não me deixa mentir. Só pra ter. E ter, e ter. E cada vez mais morar num lugar atulhado, reclamando de espaço, e tendo, e tendo.

Porque fazem a gente acreditar que a gente precisa, que a gente realmente não vai conseguir viver sem. Como sair de casa agora sem uma calça estampada? Como posso respirar sem minha sapatilha transparente com spikes, agora que a Flávia tem uma? 

Estou me policiando para querer menos, desejar menos, ter menos. Mas com tanto estímulo ao nosso redor, realmente fica difícil conseguir sair da avalanche de "opiniões", respirar o ar puro e gritar: ESSE SAPATO É FEIO. E eu NÃO preciso dele!

A não ser no dia que ele fique de promoção, esquema desconto progressivo de 3 sapatos com 60% de desconto, para que eu possa, enfim, ser mais uma. E também ter.

(07/30)

–…a nossa casa – ele sussurrou, num esforço tremendo, com os olhos ainda fechados.


Tive vontade de gritar, de pular, um assomo de felicidade tomando conta de mim. É engraçado como, em pouco tempo, nossa vida consegue mudar devido a presença (ou à falta) de uma pessoa. Quis beijá-lo e abraçá-lo, mas meus carinhos foram interrompidos pelo enfermeiro, que agora me empurrava para fora do quarto, sua mão fechada firme em meu braço.


– Ei! – eu gritei – Ei, me solta! Eu preciso falar com ele!
– Sinto muito, mas você não me deixou escolha – ele respondeu, azedo.

A porta atrás de mim foi fechada, mas não sem antes que eu pudesse ouvir seu timbre irritado dizer: "o Z acordou".

* * *

Naquela noite, a insônia retornou, mas dessa vez cheia de outras lembranças e alegrias, a ansiedade e o amor enchendo meu coração ao mesmo tempo, fazendo com que o sono fosse impossível. Meu quarto vazio (agora que todos sabiam que ele estava bem) me envolviam com suas histórias, sua voz sussurrando "a nossa casa"... Incrível como basta notar que vamos perder alguém para passar a apreciá-lo ainda mais. Eu já o amava, embora apenas o pensamento daquelas palavras fizesse com que meu coração pulasse algumas batidas, e agora... O amor não cabia em mim.

Cheguei ao hospital na manhã seguinte sentindo uma enorme leveza, como se eu fosse capaz de flutuar até o saguão, e depois voar ao seu lado por um caminho de tijolos amarelos.

– Vim visitar o Alexandre – anunciei para a recepcionista, um sorriso enorme transparecendo em meu rosto. Alex... Alex.
– Ele foi transferido de hospital.
– Como assim ele foi transferido?! Falei com a mãe dele ontem a noite e ele estava aqui!

Ela deu os ombros. Toda a felicidade pareceu, mais uma vez, explodir como uma bolha. Tentei manter a calma, mas minha mente agora era incapaz de se concentrar. Como assim, ele havia sido transferido? Como assim? Ontem ele havia acordado, apertado a minha mão, sussurrado... A nossa casa. Sua voz. Seu corpo estirado no chão, com fios passando por dentro dele. Quão errado aquilo podia ser? O que estava acontecendo? Não era mais hora de me pegar lembrando da luz quando refletia no seu cabelo (oh, Heath Ledger, why so soon?), nem de seu sorriso. Eu precisava agir.

– Onde é o banheiro? – perguntei, tentando soar naturalmente, embora quase conseguisse palpar o nervosismo que começava a se apoderar de mim.

A recepcionista apontou, entediada, para uma enorme placa atrás de si. Terceiro andar. Não poderia ser mais conveniente.

– E onde ficam as escadas? Tenho pânico de elevador. Você sabe, espaços apertados, chance de ficar presa, cair no poço...

Ela me encarou com olhos vítreos, e com o mesmo arroubo de alegria, apontou-me uma segunda placa que dizia "Escadas". Despedi-me com a mesma falta de simpatia, e segui pelo corredor em direção à placa, tentando não parecer suspeita. Apesar de me distrair com facilidade, sempre tive uma boa intuição, e ela me dizia para me apressar, o tempo correndo contra mim. Quando não tinha mais no alcance da vista de ninguém, corri. Subi o primeiro lance de escadas, pulando os degraus de três em três, e ninguém pareceu notar a minha presença.

Clarice, a minha amiga, e não a Lispector, um dia havia me dito: "você precisa andar determinadamente, por mais perdida que esteja. Ninguém vai duvidar de você, se você puder passar a segurança que sabe o seu destino". No caso, estávamos perdidas no centro da cidade, procurando um ônibus para voltar pra casa; me pergunto o que ela diria se so ubesse que eu estava pretendendo fazer. Provavelmente estaria do meu lado, me dando cobertura.

Cheguei ao segundo andar, a imagem de Alex com fios no peito aberto voltou a me atormentar, e eu desejei ter lembrado de tudo que ele tinha me dito sobre o experimento – mas não, só conseguia ouvir sua voz rouca, linda, chamando meu nome. Alguma coisa como uma seleção para entrar num estágio... Ou seria uma bolsa? Ou ainda um trabalho da faculdade? "A nossa casa". Encontrei o quarto onde ele estava segundos depois, encontrando-o vazio, e foi como se o mesmo vazio tomasse conta de mim.

Quando conheci Alex, tudo pareceu se encaixar: minha paixão pela faculdade, meu amor no tempo livre, a vida no campus, meus planos para o futuro. A vida seguia num fluxo natural, completamente guiada pela minha felicidade. Pela nossa felicidade. Agora... Não havia nada, só o acidente, ele acordando, e agora sua ausência. Permaneci no quarto vazio, a cama impecavelmente arrumada, a janela semi aberta. E a sensação crescente de que algo muito errado estava acontecendo ali.

Sentei-me na cama, na mesma posição onde estivera no dia anterior segurando a sua mão, e pude ver um papel amassado escondido debaixo de uma cômoda. Apressei-me para pegá-lo, meus dedos trêmulos. Era a sua caligrafia! Os S fazendo curvinhas disformes, mas inconfundíveis.

Centro de Pesquisas Humanas em Z...

Era impossível ler o final. A letra estava borrada, apenas algumas tornando-se legíveis. Z... Zu? Zum? Zubat? Não, isso era um pokémon. Zumbot? Isso era uma palavra?

– Centro de Pesquisas Humanas em Zumbot – li em voz alta, tentando assimilar aquilo – Onde já vi essa palavra antes?

E então, lembrei.



PS: Essa história continua! Sim! Você pode ver o capítulo anterior no blog da Rafinha, e o próximo vai sair daqui a um dia no blog da Nathy. O que são Zumbots? Onde eles vivem? Onde está o Alex? Esse mês, na Máfia.
PS2: Estou viva, dizem.



25 anos. Mora no Rio de Janeiro, é carioca de alma, mas cearense de coração. É designer e está tentando se encontrar nesse mundo. Sou casada com meu melhor amigo, o Marcelo Bernardo, e mãe da Dindi the Boston.

Gosto de ler, de dormir de rede, de inspirações repentinas e de petit gateau. Mas o mundo seria muito melhor sem aliche gente que fura fila. Ah, e de vez em quando eu desenho.

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Esse blog está vestido com as roupas e as armas de Jorge, porque ninguém há de copiar esses textos e ilustrações sem dar o devido crédito.